Menos de um mês após a Câmara aprovar projeto de lei para permitir a terceirização ampla de todos os setores, os deputados voltarão a discutir novamente o assunto, alvo de contestações no mundo jurídico e na Justiça do trabalho sobre a amplitude do texto. O tema está no relatório da reforma trabalhista. O parecer do deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) procura deixar explícito na lei que será possível terceirizar tudo, seja atividade fim ou meio, e que o microempreendedor individual (MEI) poderá prestar serviços como terceirizado – principal temor da equipe econômica.
Existe discussão jurídica sobre a legislação atual. Para juízes, advogados e promotores do trabalho a legislação não define claramente a terceirização na atividade-fim, porque só faz referência a esse termo numa outra parte da lei, que fala do trabalho temporário. Mas não diz, na parte que regulamenta a terceirização, que ela está permitida para está permitida para estes contratos.
“Não há autorização expressa para a terceirização de atividades-fim da empresa tomadora (contratante), tornando possível a interpretação de que continua aplicável o entendimento da jurisprudência no sentido de que, em regra, admite-se a terceirização apenas de serviços de vigilância, de conservação, limpeza e de atividades-meio da empresa tomadora”, afirmou, em artigo, o professor universitário Gustavo Filipe Barbosa Garcia, livre-docente pela Universidade de São Paulo (USP).
Outros juristas interpretam que a terceirização da atividade fim está autorizada para “serviços determinados e específicos”. O impasse, porém, aumenta a insegurança jurídica dessa norma, o que pode inibir empresários que planejam adotar este modelo em suas companhias.
Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Germano Siqueira afirma que a lei é vaga e, por isso, permite as duas interpretações. “A lei não diz uma coisa nem outra. É muito mal escrita, juridicamente imprecisa”, disse. “As empresas achavam que iam terceirizar com base nessa lei, mas isso causará uma enxurrada de ações judiciais.”
Marinho incluiu no parecer artigo para dizer que pode se terceirizar tudo, seja atividade meio ou fim. “Na minha opinião, o projeto anterior permitia isso. A lei já resolve. Mas, logo depois da aprovação, juízes e promotores alegaram a inconstitucionalidade, disseram que referendava que não podia a atividade fim, então vamos adequar o caput”, disse o tucano.
A lei sancionada pelo presidente Michel Temer também impõe uma restrição que o relator pretende acabar. A lei diz que podem atuar como empresas de terceirização de serviços as pessoas jurídicas de direito privado – o que, juridicamente, o MEI não é. O parecer de Marinho trata genericamente de empresas, o que poderá enquadrar os microempreendedores individuais.
A possibilidade de que o MEI atue como terceirizado é uma das principais preocupações da equipe econômica na recente lei aprovada. Na avaliação deles, isso levará a perda de recursos para a Previdência Social porque o trabalhador celetista recolhe muito mais impostos que o microempreendedor, que tem uma alíquota favorecida, de 5% do salário mínimo (R$ 47 por mês).
“Essa modificação legitima o que, para a Justiça do Trabalho, sempre foi uma fraude”, afirma a advogada trabalhista Raquel Rieger, contrária à proposta. Para o advogado Ricardo Meneses, as empresas precisam tomar cuidado mesmo se o projeto do tucano for aprovado. “Se for um trabalho não eventual, com controle de jornada e, principalmente, subordinação, certamente a Justiça do Trabalho reconhecerá o MEI como vínculo empregatício.”
Marinho afirma que tentou atacar no texto os dois pontos considerados mais prejudiciais na lei: a pejotização (transformação de contratados pelo regime CLT em pessoas jurídicas) e que o trabalhador terceirizado seja tratado como “subtrabalhador”, com menos direitos que os demais. “A inclusão da terceirização é para garantir as salvaguardas”, disse.
Como soluções, ele propôs quarentena de 18 meses entre a demissão do funcionário celetista e a possibilidade de que seja contratado como pessoa jurídica. E garantia de que o terceirizado tenha os mesmos direitos a usar refeitórios, ambulatórios, transporte e treinamento dos contratados diretamente.
(Fonte: Valor Econômico)